A lógica da vida, capítulo 2: a organização

Resumo feito pela gloriosa Marta Bellini

Vimos na Introdução e no capítulo 1 deste livro o uso de metáforas organizacionais para sustentar a argumentação sobre a vida, sua reprodução e manutenção.

Jacob, neste capítulo, vai tratar da nova concepção dos seres vivos, após a segunda metade do século XVIII, e na passagem ao século XIX. Neste período, os seres vivos serão compreendidos de outra forma, ou seja, como seres organizados, estruturados em conjuntos tridimensionais de moléculas que regeriam suas propriedades e seus comportamentos. Jacob afirma (1983, p. 81) bem o que vai abordar no capítulo 2, “É pela organização que os seres se distinguem das coisas”. É na passagem do século XVIII ao XIX que uma nova ciência emerge não mais como classificatória dos seres vivos, mas tendo como objeto de estudo a sua organização.

A organização manteria a memória da hereditariedade, uma arquitetura ou mosaico das estruturas dos seres vivos, a vida e sua química do vivo, o plano de organização da vida e a célula, como uma organização em um nível de estrutura.

Do século XVIII ao século XIX vários naturalistas trabalharam para a compreensão da complexidade estrutural. Tivemos o fisiologista Haller na segunda metade do século XVIII, que trabalhou com a textura de músculos e nervos; Charles Bonnet, sobre a plasticidade das fibras de músculos; Buffon, que elaborou estudo sobre “moléculas orgânicas”; Maupertuis elaborou a noção de “partículas vivas” na mesma direção de Buffon. Para os dois naturalistas, essas partículas ou moléculas organizariam a vida e a hereditariedade. Experiências realizadas com animais com patas ou caudas seccionadas foram realizadas por Bonnet para ver se os descendentes nasciam sem os órgãos retirados. Procuravam uma memória na matéria hereditária.

Maupertuis estabeleceu uma teoria de formação do feto e da natureza da hereditariedade, estando, segundo o Dicionário de Biografias Científicas (2007, p. 1898), “um século adiante de sua época”. Isso porque admitia partículas femininas e masculinas formando o feto, enfrentando a teoria da pré-formação.

A noção de vida, com os estudos desses naturalistas e os de Kant no final do século XVIII, aumentou o papel do sujeito na pesquisa sobre a natureza. Neste percurso, o estudo do mundo vivo leva ao estudo da organização, da totalidade, da finalidade. Com isso, no início do século XIX, passou-se a discernir as propriedades do ser vivo. Nasceu, aqui, a separação desses estudos dos seres dos estudos das coisas, seria a ciência dos corpos organizados com métodos, conceitos e uma linguagem própria. Mais tarde, com Lamarck essa ciência seria denominada Biologia.

As pesquisas sobre organização dos corpos foram levadas por Cuvier, notável naturalista com ideias evolucionistas, por Bichat, por Liebig. A natureza química do ser vivo é ressaltada sobretudo por Scheele e Bergman, químicos orgânicos. O fato é que a variedade de moléculas do ser vivo apresenta carbono e hidrogênio, também oxigênio e fósforo. Lavoisier aparece também com método de classificação. Com Berzélius, surge uma escritura universal. Com Wholler, pesquisas em laboratório com ureia e amônia, compostos orgânicos.

Nesse período emergiu também o vitalismo, a noção de que as forças químicas agem nos corpos vivos, no crescimento e reprodução. Primeiramente, essas forças foram denominadas de elementos da força vital, depois foram substituídas pela noção de energia.

Os estudos químicos com substâncias azotadas, isto é, substâncias semelhantes a ácidos aminados, foram importantes porque estão presentes no sangue, no leite, como a caseína, e mostraram aos químicos orgânicos que elas apareciam com preponderância nos corpos vivos e davam as características dos diferentes órgãos.  Mulder, químico holandês do século XIX, deu o nome de proteína ao componente básico do corpo vivo. As combinações proteicas modelavam, de acordo com Muller e Liebig, os vivos. Estavam certos; tanto que, no século XX, as proteínas serão indicadas como a estrutura da informação e da entropia. Os estudos dos compostos químicos orgânicos situaram-se entre a biologia e a química, e deram ao século XX novas modos de conceber as moléculas e suas estruturas.

Quanto ao plano de organização, como já falamos aqui neste texto, tinha o objetivo de conhecer o interior do organismo. Os corpos, para Cuvier, são experiências da natureza, que adiciona ou subtrai partes de cada um deles como poderíamos fazer em um laboratório.  Há variações das partes, há dependência das funções. Não se tem um agrupamento qualquer de estruturas, mas um sistema de relações articuladas. A proposta de Cuvier é estudar as grandes funções: respiração, circulação, digestão e, assim, a anatomia comparada. Está aí o nascimento da zoologia como disciplina.

Cuvier e Geoffroy Saint-Hilaire extraíram de suas experiências as leis de organização dos animais e suas modificações ou variações em descendentes. O plano de organização é estabelecido por uma rede de relações internas. Em relação aos órgãos internos não há independência entre eles. Uns agem sobre os outros. As externas dizem respeito às condições permitidas pelas internas, ou seja, tipo de alimentação, fisiologia e outras condições de existência e suas variações. Está dada a largada para debater a evolução dos seres vivos.

Chegamos, então, a outro nível de organização dos seres vivos, a célula, em um plano de macro organização. Do século XVII, quando se supõe o descobrimento da célula, até Schwann, Shleiden e Virchow houve uma série de observações em estudos e uma série de argumentos utilizando metáforas sociais.

Para Schwann, a célula é um cidadão em uma coletividade. As diferentes células de um organismo adquirem um tipo diferente e desempenham diferentes funções. As membranas das células dão o caráter de suas individualidades. É Virchow que estabelece uma teoria celular, resumida na frase “Todo animal aparece como a soma de unidades vitais, cada uma delas trazendo em si todos os caracteres da vida” (JACOB, 1983, p. 127). Com isso, Virchow fecha a análise de Maupertius e Buffon: Seja qual for a natureza de um ser, vivo, animal ou planta, grande ou microscópico, ele é sempre constituído de unidades elementares que se articulam, tem propriedades, e dão ao organismo formas e qualidades.

Com a teoria celular, o estudo da reprodução dos seres vivos se modifica e se torna hegemônico. Com Graaf, von Baer e C. F. Wolff ocorre o desenvolvimento da embriologia. O ovo não é mais a estrutura rígida no qual aparecem formas prévias. Agora se pensa num modelo embrionário, numa história dos embriões, numa organização que se sucede no tempo e no espaço. Há uma sucessão de etapas que se modificam por segmentação progressiva e atingem formas similares em todos os seres vivos como se tivessem uma memória.

No século XIX a organização se identifica com a vida que é constituída pela articulação de três variáveis: a estrutura, a função e o meio, termo de Auguste Comte. Qualquer variação de uma dessas variáveis, o conjunto reage modificando os outros. Abre-se, então, novamente outro campo de estudos e debates, a evolução. Como escreveu Jacob (1083, p. 136), “atrás do tempo da ontogênese distingue-se confusamente um outro tempo, mais recuado, mais poderoso, pelo qual o feixe de relações entre os seres vivos, parece se delinear. Torna-se então possível uma teoria da evolução”.

Esta é a discussão do próximo capítulo, O tempo.

Referências bibliográficas

DICIONÁRIO DE BIOGRAFIAS CIENTÍFICAS. Organizador Charles Coulston Gillispie; tradução de Carlos Almeida Pereira et al. Rio de Janeiro: Contraponto, 2007. Volume II.

JACOB, François. A lógica da vida. Uma história da hereditariedade. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983.

 

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