Amauri Junior – aluno de Biomedicina/2015
Entendendo melhor a ciência com Chalmers e Gil
Ciência, talvez um dos temas mais comuns e intrigantes da humanidade, como palavra se faz tão presente em nosso cotidiano (nos discursos, conversas e até em canções), mas, ao mesmo tempo, é tão difícil defini-la quanto entendê-la. Para compreender melhor essa ciência, nos basearemos em dois textos para nos auxiliar nessa jornada: o primeiro é a letra da canção Quanta, de Gilberto Gil; e o outro é um trecho do livro O que é ciência afinal?, de Alan F. Chalmers (1992).
Em sua canção, Gil, já na primeira leitura, nos permite interpretar sua poesia como compreensão científica baseada em filósofos do século XX. Por exemplo, nos versos iniciais, após induzir no leitor o tema científico, diz: “Quase que apenas mental”, expondo sua compreensão de ciência como sendo também teórica. Essa interpretação científica se aproxima do pensamento do filósofo Karl Popper, que, em seu livro A lógica da pesquisa científica, defendeu que a ciência possui um pensamento previamente elaborado para sua realização (observação carregada de teoria), e que a metafísica faz parte da ciência.
Ainda sobre esse poema, no décimo primeiro verso (“Qualquer coisa quase ideal”) nos deparamos com uma compreensão científica que se afasta da ideia de ciência perfeita e aproxima-se de uma ciência suscetível a erros ou, segundo Popper, falseável. Esta ideia de ciência falseável, ou seja, uma ciência constantemente posta à prova para ser considerada verídica, foi o principal pilar defendido por Popper contra o positivismo lógico (empirismo) defendido por um grupo de filósofos e cientistas que se reuniu no Círculo de Viena nas primeiras décadas do século XX. Para eles, a verificação científica se dá unicamente através de testes empíricos, excluindo a metafísica por meio do método indutivo e da análise lógica.
De todo o poema, o último verso é o mais relevante, no qual o autor diz que a ciência, ao mesmo tempo em que é feita, se desfaz. Este pensamento mostra claramente o falseacionismo popperiano. Falseacionismo este que foi incorporado ao pensamento científico de Imre Lakatos. Esse filósofo, porém, discorda de Popper ao dizer que uma teoria falseada não é totalmente descartada.
Após essa visão popperiana de ciência exposta no poema de Gilberto Gil, nos deparamos com um pensamento oposto no texto de Alan F. Chalmers. Logo no início da página 23 de seu livro O que é ciência afinal?, Chalmers define ciência como conhecimento provado, além de defender que suposições não fazem parte da ciência. Este pensamento é, em suma, o pensamento do Círculo de Viena, um pensamento científico puramente empírico e contrário ao entendimento popperiano de ciência, evidenciado no poema de Gil.
Por fim, percebemos que, não só nos textos acima citados, mas durante o século XX, houve uma divergência em relação ao pensamento científico, divergência esta que nos leva à interpretação de ciência como sendo um ato empírico (Círculo de Viena), mas que sempre deve ser posto à prova (Popper). Assim, é somente através da união do pensamento destes filósofos que compreendemos o conhecimento científico tão presente na vida humana.
Referências:
CHALMERS, Alan. O que é ciência, afinal? Tradução de Raul Fiker. SP: Brasiliense, 1992.
HAHN, Hans; NEURATH, Otto; CARNAP, Rudolf. A concepção científica do mundo – o Círculo de Viena. Tradução de Fernando Pio de Almeida Fleck. Cadernos de história e filosofia da ciência 10, p. 5-20, 1986.
LAKATOS, Imre. O falseamento e a metodologia dos programas de pesquisa científica. In: ___.; MUSGRAVE, Alan (Orgs.). A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. Tradução de Octavio Mendes Cajado. SP: Cultrix/EDUSP, 1979.
POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. Tradução de Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. SP: Editora Cultrix, 1975.
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O texto do Amauri foi produzido a partir da seguinte questão:
Leia os textos abaixo e, a partir dessa leitura e da bibliografia estudada no curso, disserte sobre as concepções de ciência expressas em cada um dos textos.
Texto 1: Quanta, Gilberto Gil
Quanta do latim
Plural de quantum
Quando quase não há
Quantidade que se medir
Qualidade que se expressar
Fragmento infinitésimo
Quase que apenas mental
Quantum granulado no mel
Quantum ondulado do sal
Mel de urânio, sal de rádio
Qualquer coisa quase ideal
Cântico dos cânticos
Quântico dos quânticos
Canto de louvor
De amor ao vento
Vento arte do ar
Balançando o corpo da flor
Levando o veleiro pro mar
Vento de calor
De pensamento em chamas
Inspiração
Arte de criar o saber
Arte, descoberta, invenção
Teoria em grego quer dizer
O ser em contemplação
Cântico dos cânticos
Quântico dos quânticos
Sei que a arte é irmã da ciência
Ambas filhas de um Deus fugaz
Que faz num momento e no mesmo momento desfaz
Texto 2
Conhecimento científico é conhecimento provado. As teorias científicas são derivadas de maneira rigorosa da obtenção dos dados da experiência adquiridos por observação e experimento. A ciência é baseada no que podemos ver, ouvir, tocar, etc. Opiniões ou preferências pessoais e suposições especulativas não têm lugar na ciência. A ciência é objetiva. O conhecimento científico é conhecimento confiável porque é conhecimento provado objetivamente. (Chalmers, A. O que é ciência afinal? São Paulo: Brasiliense, 1992. p. 23)
Muito bom!!! É um colar inteiro!!! 🙂