Este é o filme que assistimos juntos e discutimos no Quinto Encontro do GP com a nossa amiga transatlântica, Teresa Salomé Mota:
Trata-se da versão de 1960 do filme Inherit the wind (O vento será sua herança), mas há também uma de 1999. Ele se encontra, na íntegra e com legenda em português, no Google Drive do Grupo na lista de links aí ao lado ou aqui. Mais sobre o evento, aqui. A seguir, leia os comentários da Teresa sobre o filme:
Inherit the Wind e o pensamento neo-criacionista actual
Teresa Salomé Mota (CIUHCT)
Inherit the Wind é um filme realizado nos Estados Unidos por Stanley Kramer, em 1960, que adapta uma peça de teatro homónima. Tem como principais actores Spencer Tracy, no papel do advogado Henry Drummond; Frederich March como o advogado rival Matthew Harrison Brady e Gene Kelly no papel de Bertram Cates. O filme conta a história ficcionada mas baseada em factos verídicos de um professor de ciências no estado americano do Tennessee, Cates, que é julgado por ensinar a teoria da evolução de Charles Darwin aos seus alunos de uma escola secundária. Defendido por Drummond, este tem do outro lado da barra do tribunal um velho amigo e rival, Harrison Brady, e o julgamento, em que Cates acaba por ser condenado, é igualmente um confronto entre as personalidades carismáticas dos dois advogados e as suas diferentes visões do mundo.
Inherit the Wind é, acima de tudo, uma parábola sobre o ‘macartismo’, período que decorreu do fim da década de 1940 até meados da década de 1950 nos Estados Unidos da América, e que ficou marcado por um acérrimo anticomunismo, perseguição política e desrespeito pelos direitos civis. Mas o filme é, simultaneamente, uma crítica ao criacionismo e à intolerância intelectual, sendo esta, talvez, a principal mensagem percepcionada pelo público dos nossos dias.
Efectivamente, o pensamento criacionista nascido nos Estados Unidos no final da década de 1920 em comunidades cristãs fundamentalistas, espalhou-se, mais do que na Europa, onde ainda hoje não tem grande implantação, por todo o continente americano. Durante as duas últimas décadas do século XX, surgiram diversas correntes que têm por base o criacionismo, com destaque para o denominado ‘movimento do design inteligente’. Corrente neo-criacionista criada em 1980, defende que a existência de determinadas características complexas do universo, seres vivos incluídos, só encontram explicação se na sua origem existir uma ‘causa inteligente’.
O principal objectivo do ‘movimento do design inteligente’ é derrotar o materialismo e o ateísmo que, no seu etender, têm vindo a destruir a sociedade ocidental, sendo a ciência a maior responsável por esta situação, uma vez que apenas admite explicações naturais sobre o mundo. Em particular, entendem que a teoria da evolução tem como consequência a negação da espiritualidade humana, a moralidade e o valor intrínseco da espécie humana.
Estes são também os receios transformados em argumentos que são apresentados pelo estado do Tennessee, na pessoa do advogado Brady, durante a acusação de Cates em Inherit the Wind. A principal diferença relativamente às correntes neo-criacionistas actuais, como a do ‘design inteligente’, reside no facto de estas apresentarem argumentos que consideram ‘científicos’, explorando a seu favor situações que a teoria da evolução não consegue explicar ou que são controversas no seio da comunidade científica.
No fundo, o que os proponentes do ‘design inteligente’ desejam efectivamente é uma profunda alteração social, académica e política na sociedade ocidental. A fim de conseguirem os seus intentos, envolvem-se numa série de actividades que passam pela realização junto do públlico de campanhas promotoras do conceito de ‘design inteligente’ e pelo lobbying junto de decisores políticos de modo a influenciar, entre outros, o ensino das ciências naturais.
E, mais uma vez, é neste aspecto que a situação retratada em Inherit the Wind actual é tão próxima da dos dias de hoje. Mais do que explicações científicas alternativas do mundo natural, que reclamam ser mas não são, as correntes neo-criacionistas hoje existentes são parte de um programa de transformação social. E na sociedade almejada pelos partidários dessa nova sociedade, haverá julgamento de todos os professores que decidam ensinar a teoria da evolução ou outras matérias que venham a ser consideradas ‘subversivas’. Aquilo em que esses julgamentos serão diferentes do apresentado no filme Inherit the Wind, é que esses professores não vão ter direito a defesa. E é novamente enquanto parábola que Inherit the Wind é tão assustadoramente actual.
Os comentários sobre o filme foram muito esclarecedores e nos mostra como ele, mesmo tendo mais de 50 anos, retrata os dias atuais.
Muito bom texto! grata, Teresa!